Não me peça calma
Não me peça calma
Não me peça gentileza
Não me peça leveza
Não me peça harmonia
Não me peça um pouco de paz na minha companhia
Não me peça!
A vida não tem me oferecido nenhuma de suas súplicas, por que, afinal, eu deveria ceder a elas?
Eu já não sei o que é leveza desde quando podia flutuar no colo de meus pais
No tempo em que eu podia despreocupada dormir em qualquer lugar e acordar na minha cama, sã e salva
Não me peça leveza, enquanto carrego o fardo do mundo nas minhas costas
E não diga que é exagero! Sou eu quem saio todos os dias armada até os dentes, com o peso da minha existência nas costas.
Só eu sei o que é ser um corpo feminino suburbano atravessando lugares e espaços que dizem em letras garrafais e piscantes: você não pertence à isso aqui!
Só eu sei o que é causar estranhamento contínuo nos outros, enquanto você, por não estar na minha pele, acha graça.
Eu não quero mais ser entretenimento, eu quero cair num colo que me escute, que me salve, que me alivie.
Eu não vou salvar ninguém, nem a mim mesma, talvez.
Por isso, não me peça calma, não me peça gentileza, não me peça harmonia.
Daqui em diante o que eu me proponho a ser é apenas uma vadia.
E olhe lá.